Já faz alguns
anos; por isso, você provavelmente não se lembra de que, algum tempo depois de
iniciada sua vida escolar, um de seus professores do Ensino Fundamental
apresentou à “gramática”. A partir daí, todos os seus professores de Língua
Portuguesa foram, pouco a pouco, tentando lhe ensinar as “regras gramaticais”.
Esse processo
pode ter-se desenvolvido por meio de diferentes métodos de ensino, mas
aconteceu com você e com todos que frequentam ou já frequentaram a escola.
É por isso
que, se perguntarmos a qualquer pessoa o que é “gramatica”, ela responderá,
meio em tom de brincadeira: é uma coleção imensa de regras que eu nunca
consegui.”, ou dirá: é um livro que ensina as regras de português.” Se também
perguntarmos a uma pessoa quantas regras de gramática ela conhece, as respostas
serão mais ou menos assim: “Nenhuma.”, “Umas duas ou três.”, “ No máximo, uma
meia dúzia.”
E você?
Quantas regras de gramática acha que sabe?
Não se
surpreenda, mas, com certeza, você domina mais de mil regras gramaticais. É
isso mesmo: mais de mil! Talvez até muito mais... umas 1500!
A gramática da língua
Leia este pequeno texto humorístico.
Especialistas
Um caboclo, vendo uma movimentação de homens e equipamentos perto do
sitiozinho onde ele morava, vai até lá e pergunta a um deles:
– Cum licença, moço, o que oceis tá fazeno?
– Aqui vai passar uma rodovia – responde o homem – e nós somos os
engenheiros e técnicos. Com esses equipamentos nós vamos definir por onde a
estrada vai passar.
– Oia, moço, o senhor vai discurpá, mais aqui no sertão nóis faiz
estrada de outro jeito. Nóis pega uma mula e sorta ela. Onde ela
passá... aí é o mió de abri a estrada. Num tem erro!
O engenheiro, achando graça na simplicidade do capiau, diz, sorrindo:
– É mesmo? Não me diga! Mas... e se vocês não tiverem uma mula?
E o caipira:
– Ué... aí nóis quebra o gaio com uns engenhero... (Texto do domínio
público)
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Agora responda, oralmente: qual dos
dois personagens dessa piadinha fala bem português e domina a gramática?
Perguntando de outra forma: qual deles você acha que fala “certo” e qual fala
“errada”?
Se fizéssemos essas perguntas a
diferentes falantes do português , quase todos afirmariam que só o engenheiro
sabe o idioma, pois ele fala “corretamente”. Essas pessoas também diriam que o
caboclo não conhece gramática, por isso fala “errado” Haveria até opiniões
preconceituosas, tais como: “Ele fala de um jeito feio”. Opiniões desse tipo
são o resultado de uma confusão que normalmente ocorre entre língua, gramática e gramática
normativa.
Na realidade, o caboclo da historinha
sabe – e muito bem – falar português, tanto é que ele conversou com o
engenheiro e os dois se entenderam perfeitamente. E que língua ele usou para se
comunicar? A língua portuguesa, é claro. Como todo falante de um
idioma, ele se expressou empregando uma “forma de falar” que está acostumado a
usar em dia a dia.
Mas... e quanto a gramática?
Afinal, o personagem sabe ou não sabe
gramática?
Para refletirmos a respeito dessa
pergunta, vamos retomar este trecho da fala dele.
É claro que o
personagem, usando essas mesmas palavras, poderia ter escolhido outras maneiras
de construir a frase. Assim, por exemplo:
Mas, certamente, ele não usaria, as palavras numa
ordem como esta:
E por que ele
jamais falaria assim?
Ele não
ordenaria as palavras dessa maneira porque, desde que nasceu e começou a
ouvir e, depois, a falar, ele foi internalizando, isto
é, foi aprendendo, na pratica, que sequências como essa não são válidas no
português, não respeitam o sistema de funcionamento da língua portuguesa.
É
esse sistema
de funcionamento que recebe o nome de gramática da língua,
e é pela prática diária, como falantes e ouvintes, que todos nós
assimilamos, internalizamos o
conjunto das mais de mil (talvez 1500) regras que regulam o funcionamento de nosso
idioma.
Nosso conhecimento
prático, como falantes do português, permite-nos, então, estabelecer uma
clara diferença entre “Cum licença, moço, o que oceis tá fazeno?” e “*Tá
cum, moço, o que o fazeno licença oceis?” Assim:
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