Muitos confundem literatura de cordel ou poesia popular com
manifestações poéticas nordestinas. Há um fundo de verdade nisso, mas é bom
lembrar de que há poesia popular em todo o Brasil (e, seguramente, em toda a
América Latina). A literatura de cordel significa a parte impressa e, como tal,
representa menos do que 1% da poesia realmente feita a nível popular, mas que é
apenas cantada por violeiros, trovadores ou cantadores.
Até fins do
século passado, havia poesia popular regularmente manifestada em todo o Brasil.
A maior parte da população era rural e, logicamente, devido ás distancias, o
entrosamento era muito pequeno, ainda mais, tendo-se em vista os sistemas de
comunicação de massa de nossos dias. As diferenças de expressão regional eram
muito grandes e a poesia também. O padrão linguístico da elite brasileira ainda
era o de Coimbra ou Lisboa e o povo se expressava como bem podia.
Houve dois
acontecimentos, a partir do Segundo Império, que modificaram boa parte da
cultura popular brasileira e, em particular, a poesia. Um deles foi a imigração
europeia no Sul do país, que introduziu muitos moldes diferentes em detrimento
dos que já existiam no local. Outro foi a grande expansão nordestina para todas
as áreas amazônicas por ocasião do Ciclo da Borracha. Hoje em dia, pode-se
dizer que todos os rios que correm para a Bacia Amazônica são habitados por
nordestinos e descendentes e, assim, temos expressão poética regional
nordestina em todas essas regiões.
Existem
ainda alguns redutos de poesia popular fora do pólo nordestino. Um é o antigo
caminho dos bandeirantes – de São Paulo via vale do Tietê até as regiões de
Goiás Velho e Cuiabá. Todos esses lugares, que incluem Piracicaba, Sorocaba,
Itu etc. são centros de cultura caipira, e aí encontramos
modalidades de poesia popular como cururu, fandango, batuque, cana-verde, samba
e jongo. A mais conhecida é o cururu, com seus infindáveis desafios em que se
tem de marcar tempo para cada cantador. Há predeterminação de tema e rima antes
de se iniciar o debate poético. No Sul de Minas no vale do Paraíba temos o
“calango”, um desafio improvisado muito rápido, mas, também, apenas oral.
Há um
grande reduto poético popular no Rio Grande do Sul, sobretudo na região da
fronteira. Lá as poesias geralmente se apresentam em forma de trova(estrofes de
quatro versos, cada um com sete sílabas). Embora a produção seja essencialmente
oral, há muitos poetas sendo divulgados através de coletâneas regularmente
impressas. Em quase todos os municípios do Rio Grande há pelo menos um CTG
(Centro de Tradição Gaúcha), entidades semi-oficiais que cuidam da preservação
da cultura popular e, consequentemente, da poesia também.
No resto do
país, assistimos a um avanço poderoso da poesia nordestina. Com a vinda de
migrantes para o Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, a cultura nordestina
está se tornando sinônimo de cultura popular brasileira. Pudera. Só na grande
São Paulo existem cinco milhões de nordestinos e descendentes. Além disso, a
poesia popular possui um grande triunfo: o hábito de imprimir seus poemas mais
representativos. E assim, temos a literatura de cordel, hoje, símbolo no mundo
todo da cultura popular do povo brasileiro. A sextilha nordestina (estrofes de
seis versos de sete sílabas) tornou-se a maior expressão poética de toda a
nossa história.
Fonte: LUYTEN, Joseph Maria. O que é literatura popular. 2. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1983.73. p (Coleção primeiros passos)
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